A cidade morria devagar
Uma economia movimenta-se conforme a existência de produção e de consumo de bens. O desenvolvimento é medido em uma região pela cadeia de valor gerada por meio da economia, ou seja, a circulação do dinheiro naquele lugar. Quando esse movimento diminui ou cessa, inevitavelmente, outros aspectos da vida da região também enfraquecem. Essa mudança pode ser observada pela circulação de pessoas, dinheiro, mercadorias, eventos etc.
No interior do Brasil, há pouco tempo, uma cidade passou por essa realidade. Era São Roque de Minas, em Minas Gerais. Incrustada na Serra da Canastra, com potencialidade imensa para o agronegócio e com pessoas trabalhadoras, a cidadezinha de pouco mais de 10 mil habitantes (nos anos 1950) viu sua população minguar a quase seis mil habitantes (2000) por conta da diminuição desse movimento da economia.
Com o fechamento da única agência bancária da cidade, em 1991, os moradores da cidade precisavam se deslocar para a localidade vizinha (cerca de 64 km de estrada de chão) para realizar atividades bancárias básicas, como saque de salário, depósito de cheques e pagamento de contas. Com a visita ao município vizinho, aproveitavam, também, para realizar compras nos mercados e farmácias e utilizar pequenos serviços (como costureiras, cabeleireiros e barbeiros, consultas médicas etc). Quando retornavam a São Roque não tinham mais essas necessidades, o que afetava cada vez mais o movimento da economia local. A ausência da dinâmica de oferta e demanda fez com que os incentivos dos produtores e comerciantes diminuíssem e, ao longo do tempo, quase cessassem. Com a falta de oportunidades, a mão de obra emigrou.
Em outubro do referido ano, 22 produtores locais abriram uma cooperativa de crédito, o Sicoob Saromcredi, para tentar mudar a cidade onde viviam e que tanto amavam. E puderam, por meio de serviços básicos bancários, gerar poupança interna para o município e fortalecer, aos poucos, as atividades econômicas, retomando o desenvolvimento socioeconômico da região.
As atividades da cooperativa, sendo estritamente financeiras, passaram a ter um lado social muito latente, pois o objetivo ao criá-la era, principalmente, melhorar a qualidade de vida dos moradores. Então, foi pensando nisso e na realidade da cooperativa e de como os seus aposentados faziam para sacar os benefícios – pediam carona, caminhavam da zona rural à sede da cidade a pé para não gastarem as aposentadorias ou viajavam os 120 km em boleias de caminhão –, que foi acordado com o gerente da agência do Banco do Brasil da cidade vizinha que a própria cooperativa pagaria os aposentados e enviaria os recibos por malote no mesmo dia para o banco, o qual depositaria o valor pago na conta da cooperativa. A parceria funcionava de forma não homologada pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS, atual INSS), e a cooperativa não ganhava porcentagem pelas operações, estava apenas resolvendo um problema local, em que ninguém perdia nada. Dentro desse contexto, os funcionários da cooperativa contam que um dia um fiscal do INPS chegou na organização dizendo que todos poderiam ser presos, pois estavam agindo de má-fé. Foi necessário explicar a situação ao fiscal, que achou melhor avisar que nunca tinha estado lá. Essa história virou “causo” na região, pois até hoje não se sabe o nome do fiscal. Com tamanho medo por ter de contar aos aposentados que a parceria não existiria mais, os funcionários nem pediram para ver a identificação do homem.
A história de São Roque de Minas é apenas um exemplo em que, diante de toda a potencialidade agrícola e pecuária (especialmente gado leiteiro, como grande produtora do queijo canastra, além de milho e café), sua população soube se esforçar para mudar e transformar a realidade, compartilhando seus problemas e buscando soluções viáveis. Essa intercooperação – que conta com os responsáveis pela criação das cooperativas de crédito de cidades vizinhas e com a cooperativa de produção da região – é a aplicação, na prática, do sexto princípio cooperativista, que é ser capaz de gerar valor para todos os envolvidos. E o maior beneficiário dessa cadeia de valor positiva é o cooperado e a comunidade local.
O Sicoob Saromcredi foi responsável pela criação da Associação Comercial e Empresarial (ACE) e pela Cooperativa Educacional de São Roque de Minas, mantenedora do Instituto Ellos de Educação – escola da região que atende crianças a partir de três anos e é norteada pelos princípios e valores cooperativistas. Com base nessa experiência, a cooperativa educacional desenvolve, hoje, o programa de educação cooperativista, empreendedora e financeira nas escolas públicas de sua área de atuação (são cerca de 60 escolas e 17 mil alunos alcançados).
A instituição também foi responsável, em meados de 2000, por apoiar e incentivar a qualificação do queijo de minas artesanal da Serra da Canastra, por intermédio de uma parceria com a ONG Fert (francesa), promovendo viagens de intercâmbio e compras de gado para melhoria da qualidade genética do rebanho leiteiro. Um dos frutos desse investimento foi a realização de um projeto para garantir a identificação geográfica do queijo, o que foi concretizado com a Certificação de Origem, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), ajudando a proteger e a valorizar o produto, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A cooperativa também ajudou a disponibilizar internet para a comunidade local, uma ação sem fins lucrativos, cujo objetivo é a inclusão digital. Essa iniciativa resultou na criação do provedor de internet SRMinas, que atendeu a região com preços mais acessíveis.
Todas essas histórias e outras mais estão descritas no livro A cidade morria devagar – O romance de uma cooperativa, de André Carvalho e João Leite, publicado pela editora Oito Deitado.
Superintendência de Gestão Estratégica – Suest Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob)